sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Negociar é uma Arte

O que podemos depreender da assertiva "A arte suprema é o negócio. No futuro, toda a gente será famosa durante quinze minutos" é a noção de que o mercantilismo em torno das artes, sub-produto de uma indústria cultural que a tudo engloba dentro da lógica mercadológica, circunscreve o público consumidor na mesma atmosfera. Em outras palavras, se tudo pode ser vendido, obviamente, tudo tende a ser consumido.

Negociar, pois, é uma arte. Expandir os negócios também o é. Nessa lógica, portanto, o produto é o de menos. O conteúdo, idem. O que se eleva sobre o espírito hegeliano das massas é a embalagem e sua função simbólica: a de ostentação, de satisfação do desejo de ter aquilo o que não é essencial, de ir além do primarismo existencial.

No mundo das celebridades, por exemplo, isto é claramente notório. As pessoas (artistas) são vistas não como elas são, mas como aparentam ser, como se apresentam diante do público, vivendo assim às expensas de uma imagem muitas vezes não coadunada com a sua própria realidade. O "consumidor de celebridades", por seu turno, cada vez mais ávido e sedento por "novidades repetidas", pelo novo que já veio, pelo velho com nova roupagem, se retroalimenta desses arquétipos forjados e cunhados sob a égide do "modismo" e das "novas tendências", movimentando assim a roda da fortuna que gira em torno do simulacro, do "virtual concreto" que se impõe como realidade material palpável, porém assimétrica, distorcida, falseável, tornando-se vazia, descartável.

Nessa perspectiva, o cenário musical atual também é uma fonte prenhe de exemplos, repleta de canções e melodias simples e repetitivas, de fácil memorização, cuja abrangência popular é bastante ampla. Curioso observarmos que essa simplicidade musical é produto da mesma indústria cultural fomentadora do esvaziamento dos conteúdos, que acaba assim por revelar o seu caráter de "massa", de supressão das individualidades em detrimento do "gado consumidor", programado única e exclusivamente para o consumo.

Por outro lado, a tendência em voga de "democratização" da arte, por levar a todos a possibilidade de apreciação das manifestações artísticas do homem, acaba também por "dessacralizar" os "grandes artistas" e despertar os "grandes marqueteiros e propagandistas", que antes esculpiam "famosos" ao longo de um determinado tempo, o que nos dias de hoje se dá em escala industrial. Atualmente, qualquer cidadão tem um alto potencial de se tornar uma celebridade instantânea, quer por seu talento ou pela ausência deste, mas muito mais pela presença quase onisciente da figura do "empresário", o responsável por descobrir nos "anônimos" aquilo o que possivelmente caia no "gosto popular" e bombardear os veículos de comunicação com injeções significativas de pecúnia e privilégios, tornando seu "produto" finalmente "conhecido".

O negócio, portanto, caro leitor, é uma arte, a arte da sedução, do fetichismo do produto em relação ao consumidor, de se vender sonhos e ilusões numa escala holística de consumo, de tornar o supérfluo desejável e do essencial algo secundário. Uma arte, porém, abstrata, pois reside numa equação difícil de ser solucionada sem as mãos hábeis do marqueteiro para aparar as arestas e moldar seu produto ("artista") dentro da lógica mercadológica, em consonância com toda a rede comunicacional necessária para vestir seu produto e deixá-lo no ponto de ser apreciado, vislumbrado, cobiçado, num mundo onde a beleza da embalagem suplanta a necessidade e o interesse pelo conteúdo.

E nisso o "artista" se "coisifica" e se secundariza. O verdadeiro artista, o arquiteto propagandístico, o marqueteiro comunicacional, o alfaiate socioeconômico se esconde atrás do que se apresenta, numa relação metonímica de criatura/criador, esperando a esteira mecânica trazer o próximo produto para o processo de empacotamento, enquanto durar a vida útil do anterior, que não passa de quinze minutos, talhado com o único objetivo de manter a roda da fortuna girando sem parar.

Hugo Freitas
Historiador e Sociólogo