sábado, 22 de janeiro de 2011

"Jornalismo Acidental": a invenção da realidade



Alguém já se perguntou por que lemos o que lemos nos jornais diariamente? Quando dedicamos alguns segundos de reflexão sobre a lógica que operacionaliza o "fazer jornalístico", nos damos conta do quão importante é estarmos com os olhos bem abertos para atentarmo-nos àquilo que não está escrito.

O jornalismo produzido atualmente está inserido numa esfera acidental, baseado num conceito de "notícia" que estabelece a relevância de determinados fatos e a sua publicização em detrimento de outros, considerados não-noticiosos.

Ao se analisar essa conjuntura, é perceptível uma inversão da racionalidade pela irrupção do "inusitado", do "estranho", do "anormal". Em outras palavras, aquilo o que hoje em dia se estabelece como notícia é tudo o que foge à "normalidade" das coisas, ao princípio racional que rege a sociedade.

O que desperta o desejo do jornalista pela notícia não é o "lugar-comum", mas tudo aquilo que está "fora do lugar". O depósito onde repousa a curiosidade humana é revolvido quando algo incomum acontece, e, para saciá-la, surge a necessidade de se investigar as forças motivadoras que levaram à consecução do fato jornalístico e à divulgação dos resultados dessa investigação através dos veículos midiáticos.

Nesse processo de identificação do "irracional" - já que ainda se quer buscar sua explicação -, o produto final (a informação) levado ao conhecimento do público acaba por deixar marcas, vestígios, cicatrizes na realidade observada, envolvendo tanto o observador quanto o objeto pesquisado, investigado.

E isso altera a substância do mundo das coisas, das pessoas, das instituições, pois efeitos são gerados, sentimentos produzidos, sensações experimentadas, ações desenvolvidas e eventos transcorridos.

A informação veiculada suscita, pois, diferentes reações que podem ser de comoção, surpresa, espanto, admiração, até mesmo de indiferença por parte do leitor. Isto sem mencionar o caráter coercitivo que muitas outras informações carregam consigo, em seu substrato estrutural.

Interessante mesmo é percebermos que todas essas "experiências" acabam por se acumular na memória em forma de registro, através de um discurso histórico que busca o encadeamento lógico dos eventos à luz de análises interrogativas formadas pela influência do presente sobre o que já passou.

Eis a pedra angular que corrobora as tranformações substanciais ocorridas no mundo das coisas e das pessoas: o registro das ações humanas, o que possibilita o seu revisitamento infinito pelas gerações contemporâneas e vindouras, ressignificando experiências vividas que tiveram forte influência do tempo e do espaço em que foram produzidas e influenciaram (influenciam) todos os que a elas puderam ter acesso.

Apesar disso, muitos ainda desconhecem os procedimentos para se chegar à divulgação de informações. O mundo real, ao ser transmitido pela imprensa, é fragmentado, particularizado, decomposto, e, seletivamente, ocultado, descaracterizado, inventado, ficcionado.

Ao se estabelecer, mediante "juízos de valor" hierarquizantes, o que deve e o que não deve ser noticiado, conhecido, o mundo se transforma mais uma vez. As possibilidades de investigação repousam não apenas no que foi divulgado, mas também no que foi silenciado, ocultado.

As feridas, portanto, que o "jornalismo acidental" produz no universo das pessoas e das coisas não são particulares e específicas somente ao mundo "visível", noticiado, divulgado, artificialmente criado, e sim, também, ao mundo "invisível", real, concreto, silenciado e ignorado.

Hugo Freitas

8 comentários:

  1. Obrigado, companheiro.
    Sinceramente agradecido pelo elogio.
    É uma pequena contribuição para que todos nós saibamos estar atentos a tudo o que nos rodeia, entre o que é dado a conhecer e o que é silenciado.

    Abraços fraternos.

    Hugo Freitas

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  2. No Estado que nos encontramos é sempre suspeito quando se divulgam alguma 'notícia', eu sempre leio com grande cetismo. Mas, quando nos voltamos para nível de Brasil aí é que a coisa fica feia, haja vista que os interesses escusos por trás de cada reportagem sempre nos faz pensar qual o intuito daquela abordagem.
    Cabe a nós por meio deste espaço, embora que em escala bem reduzida, diga-se de passagem devemos ter consciência de nosso papel e acima de tudo nunca tergiversar ao postar seja uma notícia seja uma denúncia. Mas, devemos de certo modo aprendermos a não vivermos em função do Ctrl + C e Ctrl + V, tão comuns em nosso meio...
    É por isso que os blogueiros do estado jornalistas ou não devemos organizar não só um encontro regional como também nos organizarmos em torno de alguma associação que nos der respaldo técnico, jurídico e que fomente a interatividade e difusão das informações nesta grande rede.
    Um abraço estamos na luta.

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  3. Com certeza, companheiro.
    A união dos blogueiros é decisiva para que transformemos esta ferramenta em uma alternativa de qualidade ao monopólio comunicacional em nosso Estado.
    Estamos firmes e fortes na luta por um Maranhão melhor e mais democrático, em todos os sentidos.

    Abraços fraternos.

    Hugo Freitas

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  4. Interessante abordagem, de fato temos como pressuposto principal do jornalismo ataul uma enfâse mais no "anormal".
    Cabe lembrar porem que a sociedade de consumo, e a "mass media" costuma deglutir e transformar o anormal, o revolucionário, em mera peça de moda (ex: imagem do Chê).
    Parabens pela análise. Devemos desconstruir (perceber o não-dito dentro do que foi dito)e reconstruir nosso mundo cercado de informações, do contrário seremos como mero gado no pasto.

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  5. Ótimo comentário, companheiro Carlos Leen.
    De fato, a lógica capitalista de transformar tudo em mercadoria atinge até mesmo ícones revolucionários como a imagem de Che Guevara, salvo engano uma das imagens mais conhecidas e comercializadas em todo o mundo.
    Perceber "o não-dito dentro do que foi dito" é tarefa de todos nós, incluindo-se os blogueiros progressistas, a fim de que não fiquemos na mesmice hepática e comodista do "CTRL+C - CTRL+V", como bem apontou o companheiro acima do GD News.

    Grato pela preciosa contribuição. Aguardo novos comentários.

    Abraços fraternos.

    Hugo Freitas

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  6. muito boa essa materia,engraçado q ando te conhece nao imaginei quão fosse sua competencia com as palavras.rsr mas fico orgulhosa por ter conhecido você,talvez nao lembre como nos conhecemos mas eu me lembro muito bem.heeh
    Também quero lhe dar os parabéns pela sua aprovação no mestrado essa não é pra qualquer um.PARABÉNS!!!!!

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  7. Muito obrigado, minha cara amiga Layse.
    Claro que lembro das circunstâncias em que nos conhecemos.
    Para mim, é uma enorme satisfação em tê-la como amiga e leitora do "Blog Hugo Freitas". Espero que suas participações se ampliem ao longo do tempo.

    Abraços fraternos.

    Hugo Freitas

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Grato pela participação.