terça-feira, 21 de agosto de 2012

Palavras sobre a Ausência

"O Grito", de Edvard Munch

Era um domingo de sol. O dia amanheceu lindo, como há tempos não se via por aquelas bandas. Mas, abruptamente, tão de repente quanto um raio, a maravilha daquela manhã foi entrecortada pela dor e pelo desespero de Sócrates. As lágrimas que jorravam de seus olhos mostravam bem a intensidade com que as dores lhe assaltaram a beleza daquele dia. Ele não podia sentar, deitar, nem ficar de pé; sua coluna simplesmente havia travado.

Nunca antes em toda sua breve existência ele tinha sentido aquilo. Parecia que o mundo havia desabado sobre seus ombros, mais especificamente sobre a sua região lombar, que deixou suas pernas em estado de dormência plena, quase que anestesiadas pelas próprias dores que lhe consumiam as forças.

Foi com muita dificuldade que ele conseguiu chegar a uma unidade de pronto atendimento, próxima ao bairro onde mora, depois de ter sido socorrido por parentes e amigos que o conduziram até o táxi, chamado às pressas para a frente de sua residência.

Sócrates se perguntava o porquê daquilo ter acontecido com ele, logo com ele, logo naquele dia, quando ele havia preparado, com antecedência, um certo cronograma das muitas atividades que seriam cumpridas dali por diante, principalmente suas obrigações acadêmicas.

Foi debaixo de muita lágrima que ele adentrou, pela primeira vez, uma UPA, aquela que ele imaginava só funcionar nas propagandas do governo. Para sua feliz surpresa, constatou a eficiência do atendimento prestado pelos funcionários da unidade. Desde o guarda até o consultório do médico plantonista, o tempo que ele levou de espera para ser atendido não completou dez ciclos no relógio.

Contudo, os medicamentos tomados naquele dia não foram suficientes para amenizar as dores de Sócrates. Seu corpo implorava por um remédio que pusesse um fim imediato e definitivo em seu sofrimento. E, assim, não suportando as dores que se fizeram companhia indesejável desde então, ele voltou à mesma UPA, dois dias depois, para lá tomar a medicação mais forte que havia, aquela aplicada em feridos de acidentes de trânsito. O alívio que lhe tomou conta da feição transmutou-se em um breve e almejado estado de sono.

Isso mesmo, estimado leitor. Sócrates passou vários dias sem dormir, chorando, gemendo e gritando de dor. Não havia posição alguma em que ele deitasse seu corpo sem que o tormento lhe ocupasse toda a atividade cerebral.

Sócrates ficou desesperado com as suspeitas do médico, que supunha ser inflamação da musculatura que recobre a medula espinhal provocada por longos períodos de má posição ao sentar-se, ou ainda mais grave, a temida érnia de disco, a qual sempre enseja uma provável cirurgia, com todos os riscos que são conferidos ao paciente que se submete a tal procedimento.

Diante de tais probabilidades, as lágrimas que lhe corriam o rosto agora não eram apenas de dor, mas de medo. Sócrates temia a possibilidade de ficar numa cadeira de rodas no auge de sua mocidade, temor compartilhado com os amigos sempre que ele tinha a oportunidade de conversar sobre a brevidade e a importância da vida.

A partir daquele dia, a propósito, a vida para Sócrates adquiriu um novo significado. Se antes ele a concebia como um caminho a ser percorrido para a conquista de seus sonhos, agora o garboso rapaz a enxergava como um plácido jardim, que necessita diariamente ser regado, podado e cultivado, com carinho e atenção, para produzir sempre as mais lindas flores, evitando com isso o surgimento de fungos e parasitas.

Para Sócrates, tudo ficou mais bonito e elevado à enésima potência. As músicas que compõem seu set list são apreciadas com suavidade e emoção ímpares; seus livros pululam diante de seus olhos com esmerada atenção, principalmente os romances de Machado de Assis e os poemas de Drummond; e os filmes de sua videoteca parecem ter vida própria, pois a cada dia eles vêm à mão de Sócrates com uma volúpia peculiar, como se quisessem pontuar e registrar na memória do nosso amigo todos os cenários e falas ainda não contemplados.

Na primeira melhora significativa que teve, possibilitada pelos fortes medicamentos que lhe permitiram sentar-se junto ao computador, Sócrates tratou logo de atualizar suas redes sociais, de inteirar-se sobre os assuntos de sua cidade, do país e do mundo; correu para a página virtual que possui na internet para escrever os primeiros pensamentos soltos que sobressaltaram a sua mente; reorganizou seus papéis e reestruturou sua pesquisa acadêmica, tudo isso com preciosa acuidade e interesse, como se o tempo lhe escorresse por entre os dedos, o mesmo tempo que, antes, ele sonhava possuir na palma da mão.

Sócrates reconhece que o apoio dos amigos e familiares foi fundamental para que ele transpusesse os dias mais terríveis de sua vida com maior otimismo. Por telefone ou de corpo presente (sim, nosso sonhador recebeu visitas, atenciosa leitora), os amigos e os parentes de Sócrates preencheram seu coração com a esperança de dias melhores, através de boa conversa e de estimas de pronta recuperação, atitudes que ele languidamente agradeceu e que serviram de combustível para a composição das palavras que ele registrou em seu blog sobre o período de sua ausência da seara comunicacional de que faz parte.

Nesse instante, depois de mais uma dose de medicamentos atenuantes, e aguardando com extrema ansiedade uma consulta com um dos melhores ortopedistas de sua cidade, Sócrates deve estar se revirando na cama, à procura da melhor posição para dormir, aquela que não irá lhe provocar as dores dos dias anteriores nem perturbar seu tão necessário sono.

Hugo Freitas

2 comentários:

  1. Que saudade... Depois da conversa gostosa que tivemos na semana passada, resolvi, por livre e espontânea "pressão" (risos), cometar suas publicações. Que texto lindo... Belas palavras, até para falar sobre as ambiguidades de Sócrates, que estimo ser a "Miscelânea de Conhecimentos" com quem eu convivi por três anos e meio. És de fato, um poeta. Melhoras querido.

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    1. Obrigado pelo carinho e pelas estimas, minha querida amiga Kcau. Bjsss

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Grato pela participação.