terça-feira, 6 de novembro de 2012

O MERCADO DA FÉ E O PODER DAS IGREJAS NA TV


Por Hugo Freitas
Historiador e Sociólogo

Não é de hoje que as emissoras brasileiras de televisão, principalmente as TV abertas, recorrem a parcerias econômicas com as igrejas.

Esse fenômeno midiático-religioso é fruto direto da arrecadação do "dízimo" junto aos fiéis, que promoveu um enriquecimento maciço dos "senhores da fé" e de suas "empresas de salvação".

O caso é especialmente flagrante no tocante às igrejas evangélicas, onde a cobrança da "oferta" é praticamente uma "obrigação", em comparação com a Igreja Católica, por exemplo, onde não se têm preços estipulados em receituários pré-fabricados, ancorados numa interpretação bíblica.

A partir desse poder econômico, advindo da crença e do bolso dos fiéis, empresas como a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), que possui filiais em mais de 240 países, cresceram a ponto de adquirir fatias importantes nas ações e nos espaços de emissoras de TV no Brasil.


Contudo, não foi apenas a IURD que teve forte expansão no país. As barreiras do monopólio comunicacional da Igreja Católica nas emissoras brasileiras foram pulverizadas por um verdadeiro "enxame" de empresas evangélicas nas TVs abertas. SBT, Band, Record e RedeTV!, que exibem diariamente programas evangélicos, são exemplos claros de que não se pode mais pensar em lucros televisivos sem a participação direta do "show da fé".

Todas essas emissoras aumentaram consideravelmente suas arrecadações por conta das novas parcerias comerciais. São altos os valores pagos por uma igreja para a exibição de seus programas em qualquer TV aberta, o que criou uma rede de interdependência de ambos os lados e acirrou a lei da oferta e da procura.

Valdemiro Santiago e Sílvio Santos

Para clarificar a argumentação, dados não oficiais revelam, por exemplo, que a Igreja Mundial do Poder de Deus, de Valdemiro Santiago, pagava de 4 a 6 milhões de reais por mês para a Rede Bandeirantes, quando ainda tinha contrato com a emissora paulista. Atualmente, no SBT, a mesma igreja paga algo em torno de 300 milhões de reais por ano para a emissora de Sílvio Santos, o que o salvou da bancarrota e da venda de sua propriedade televisiva.

O dinheiro pago pelas igrejas se constituiu num dos principais (senão o principal) meios de faturamento das emissoras, que agora disputam a preferência dos "empresários da fé". Estes, por sua vez, precisam dos espaços televisivos (por ser um veículo de "comunicação de massa", ficaremos só no exemplo da TV) para aumentarem o número de fiéis e, consequentemente, expandirem seus negócios para outros estados e países e, assim, ampliarem a arrecadação do "dízimo", principal sustentáculo das empresas de salvação, uma vez que os valores angariados são isentos de taxas ou de impostos.

É uma via de mão dupla que beneficia apenas quem está dando as cartas no jogo da salvação midiática. Os explorados pela fé, na ampla maioria dos casos, passam longe de tal percepção; apenas contentam-se na crença da remissão e do perdão divinos, sendo guiados cegamente por seus líderes. Aqueles que ainda se permitem ler escritos como este, geralmente tentam desacreditar ou desqualificar os seus autores, chamando-os de "ateus", "anti-cristos" e coisas do gênero.


Talvez o maior exemplo do crescimento do poder econômico das igrejas perante as TVs se deu na "crise" entre Globo e Record, em 2009, quando o "Jornal Nacional", principal produto jornalístico global, veiculou uma matéria de cerca de dez minutos atacando uma "suposta" lavagem de dinheiro da emissora evangélica, mostrando inclusive imagens do bispo Edir Macedo, dono da Record, ensinando seus "líderes" como cobrar mais dinheiro dos fiéis.

Na época, a Record já se posicionava no mercado midiático brasileiro como uma verdadeira "ameaça" à hegemonia dos interesses econômicos da Globo, que estava vendo boa parte de sua receita ir parar na principal concorrente.

Outro ponto relevante a ser observado diz respeito à população de religiosos no país. Dados do último Censo do IBGE, realizado em 2010, revelaram que a Igreja Católica no Brasil teve uma redução de 1,7 milhão de fiéis, representando um achatamento populacional de católicos em torno de 12,2%. Mantida essa tendência, dentro de 30 anos, os evangélicos poderão ultrapassar os católicos no país em números absolutos.

Isso explica porque, apenas recentemente, a "vaticana" Rede Globo abriu espaço em sua rígida grade para a exibição de shows de canto gospel, bem como para a divulgação de produtos musicais do universo evangélico. Números da indústria fonográfica indicam que a música gospel movimenta bilhões de reais no país, perdendo apenas para o gênero sertanejo.

Ao sair de sua posição confortável de hegemonia católica e render-se ao movimento irreversível de crescimento dos evangélicos, optando pela música gospel como porta de entrada, a Rede Globo tenta garantir nada mais nada menos do que a própria manutenção de seu modo de dominação. Visando atingir o público religioso que mais cresce no país, ela oferece uma "contra-concorrência" à emissora de Edir Macedo, disputando o filão desse mercado junto com a Record e as demais empresas eclesiais existentes, sem perder o quinhão do mundo católico.



Não é à toa que nos últimos anos houve um acirramento da disputa pelos fiéis entre as próprias igrejas evangélicas. Recentemente, veio a público, pelo programa "Fala Que Eu Te Escuto", da Rede Record, a batalha judicial movida por Edir Macedo contra Valdomiro Santiago. Os dois empresários da fé se engalfinham numa briga de acusações para tentar mostrar aos potencias "clientes" quem é digno da realização dos serviços salvíficos.

Num cenário geral e de modo incontrolável, as igrejas evangélicas se espalham pelo país aos montes. Quase todo dia, nasce um templo numa esquina ou num bairro pobre das cidades, sempre gozando do benefício de isenção fiscal na arrecadação das ofertas.

O interessante nisso tudo é que por ser de natureza "caritativa", isto é, destinada para o benefício social, a arrecadação do dízimo não é taxada pelo governo. Basta ver, entretanto, nos arredores das localidades onde essas igrejas estão situadas que tal prerrogativa passa longe de ser cumprida. Pelo contrário, enquanto as "casas de orações" se recobrem de vestimentas e adornos requintados e seus pastores desfilam em carrões do ano, ostentando opulência e riqueza, só aumentam as disparidades e os contrastes sociais com as populações pobres e necessitadas que moram em seus entornos. As igrejas se tornaram verdadeiras ilhas, adornadas com luxo e riqueza e cercadas de pobreza e miséria por todos os lados.

Aliás, a expansão do "show da fé" necessita mesmo dos necessitados. São eles que sustentam diuturna e bestificadamente tais empresas. Afinal, nesse tipo de empreendimento, não há espaço para a crítica nem para a contestação, apenas para o consentimento plateístico das interpretações advindas de oradores que se arvoram como os detentores legítimos dos caminhos da salvação, explorando seja quem está presente nos cultos ou do outro lado da telinha.

No final, tudo não passa de negócios. Quem detiver maior poder econômico (isto é, coletar o maior número de ofertas diariamente), obterá também maior espaço e poder midiáticos e, consequentemente, maior peso na disputa pelas ovelhas desgarradas disponíveis no mercado da fé, objeto de desejo dos conglomerados midiático-religiosos.

12 comentários:

  1. Realmente, concordo com tudo o que você falou, o triste é quando alguém critica é taxado de anticristo. Mas ser ateu não é simplesmente uma opção é agir pela razão e merece ser respeitado, assim como eles exigem a todo custo que respeitemos a crenças deles.

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    1. O que os devotos mais fervorosos parecem não entender é o fato de que aqueles que cuidam das igrejas e da comunidade também são passíveis do "pecado". Na mente dos fiéis "cegos", esses "líderes" são verdadeiros "santos".
      Portanto, criticá-los por sua corrupta "gestão da fé" é passível de "condenação espiritual".

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  2. Sem contar que, todo esse crescimento religioso traz muitos problemas, incluindo maior influencia religiosa na política, esse grupo buscando conquistar seus interesses (no caso, interesse de seus líderes que lucrarão mais e mais), desrespeitando outros grupos religiosos ou não religiosos, gerando maiores conflitos sociais e interferindo no Estado Laico.

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    1. Sem dúvida, Lailson.
      Estou preparando um novo post sobre o assunto, analisando as implicações da relação sentre Igreja e Política nos rumos que o país vem adotando.
      Em breve, no blog. Aguarde!

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  3. Por que você não publicou esse post no periodo da minha monografia?? rsrssr Adorei a matéria.

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    1. Obrigado, minha querida Layse.
      Espero que o texto tenha ajudado a ampliar nossa reflexão sobre as relações idiossincráticas entre Igrejas e mídia.
      Bjs.

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  4. As observações são importantes, é verdade. Mas nunca esqueça que para todas as observações e críticas feitas nesta matéria, a BÍBLIA tem resposta para todas elas. A Bibilia relata Profecias que iriam se cumprir e que ja se cumpriram, e outras que ainda irão acontecer, e uma Delas é que o EVANGELHO vai ser Pregado em todo o mundo, e aquele que crer será SALVO, quem não crer vai ser condenado, por não acreditar nem se submeter a Soberania de DEUS.
    - Se existe algum lider que se diz cristão, mas no fundo está distorcendo a forma correta de realizar a vontade de DEUS, pode esperar, a disciplinar vai vir sobre ele. A BIBLIA tambem diz - Ái de quem vier o escandalo!
    - Aproveite sua capacidade de buscar viver e aperfeiçoar a justiça e, coloque-se diante de DEUS com um coração aberto, experimente a votade Dele para sua vida, e então use-a para o Reino de Deus, com certeza vc viverá melhor do que hoje e, estará se aperfeiçoando a cada dia!

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  5. Oi Hugo,

    Concordo em parte com os seus argumentos. É verdade que há pessoas entre os cristãos evangélicos que por falta de entendimento se deixam levar por falsos pastores.E que há muita gente de péssimo caráter liderando igrejas.

    Mas acho que vc é muito agressivo ao tratar a submissão à autoridade religiosa que tem base bíblica como uma idiotização das pessoas que devem cumprir com aquilo que lhe é pedido a qualquer custo.
    Há sim muita gente entre os evangélicos muito comprometida com o Reino de Deus, que investe altos valores para que a palavra seja pregada (por isso o aumento de igrejas) e que sabe muito bem o que está fazendo.

    Respeito sua opinião, mas acho que a forma como vc a expõe poderia ser menos intolerante quando faz críticas a comportamentos que desaprova.

    Apesar dos pontos citados, seu texto está bem escrito.

    Rodrigo Oliveira, evangélico e estudante de Jornalismo

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    1. Olá, Rodrigo.
      Minhas críticas podem até ter um tom ácido, como você poderá observar em outros textos de minha autoria (veja nos "Artigos"), mas jamais são agressivas, no sentido de ofender as pessoas.
      Não se pode suavizar ou bancar o "politicamente correto", ou melhor, o "religiosamente correto" quando se trata de oportunistas que, em nome de uma suposta "crença" (em Deus ou no Dinheiro???), exploram os "fiéis" (literalmente) atingindo precisamente aquilo o que lhes é mais sagrado: a própria fé.
      Enquanto os "líderes" enriquecem cada vez mais, tornando-se donos de enormes fazendas, sendo acionistas em inúmeras empresas e adquirindo verdadeiros conglomerados de comunicação, tudo às custas do dinheiro do povo evangélico, a realidade daqueles que moram nos entornos das suntuosas "Igrejas-Palácios" só piora. Basta olhar criticamente a realidade das cidades. As Igrejas se tornaram verdadeiras ilhas, adornadas de riquezas e cercadas de pobreza e miséria por todos os lados.
      A intenção deste espaço é oferecer um contraponto ao pensamento dominante, na humilde tentativa de transformar as pessoas em cidadãos mais críticos e participantes, e não meros contempladores-seguidores de "líderes" que se arvoram como os únicos detentores dos caminhos da salvação.
      Grato pela participação.

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  6. Concordo com tese de que cristianismo não é comercio, e que o que vimos hoje, nada se parece com os ensinos das paginas do Novo Testamento, não apenas o movimento neopentecostal mas tambem o catolicismo romano vem durante varios periodos da historia, abusando desse mesmo desvio. Mesmo assim, é bom ressaltar que embora estejamos vivendo momentos tão criticos, há sim! movimentos cristãos, lideres cristãos e denominações cristãs, que são sérias, comprometidas com os principios e as virtudes do evangelho. Parabens por essa materia. Deus Abençoe a todos.

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    1. Com certeza, Clavio Jacinto. Afinal, toda generalização é um erro. O difícil é encontrar os bons frutos no meio de tantas árvores secas.
      Grato pela participação.

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Grato pela participação.