sábado, 24 de agosto de 2013

PADRE VICTOR ASSELIN: TRAJETÓRIA, LEMBRANÇAS E HOMENAGEM

Victor Asselin (*1938 +2013)

Por Hugo Freitas
Historiador e Sociólogo

O fim de uma história. É com grande pesar que o titular do blog registra a morte do padre Victor Asselin, que faleceu na madrugada desta sexta-feira (23), em Quebec, no Canadá, em decorrência de um câncer generalizado.

Padre e advogado, Victor Asselin foi um dos fundadores da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Brasil e no Maranhão e um dos mais destacados sacerdotes da Igreja Católica no estado.

Trajetória

Nascido na cidade canadense de Quebec no ano de 1938, Victor Asselin se ordenou padre em 1964, aos 26 anos de idade. Veio para o Maranhão em 1966, instalando-se na diocese de Pinheiro. Em meados da década de 70, antes de fundar a CPT, transferiu-se para o município de São Mateus, onde desenvolveu um trabalho pastoral junto aos lavradores do campo.

Viveu em solo maranhense por mais de quatro décadas desenvolvendo atividades sacerdotais e advocatícias junto aos trabalhadores rurais.

Fez parte da comissão que fundou a CPT no Brasil, no ano de 1975, na cidade de Goiânia, tendo sido seu primeiro vice-presidente nacional, ao lado do presidente Dom Moacir Grecchi.

No ano seguinte, foi o principal articulador dos agentes de pastoral no Maranhão, vindo a formar a CPT em âmbito regional e se constituindo como seu primeiro presidente.

O padre se engajou também nas lutas por moradia em São Luís, ajudando como advogado na regularização jurídica de muitos bairros da capital, privilegiando sua atuação nos campos do Direito Agrário e Direito Penal.

Além disso, foi coordenador das Comunidades Eclesiais de Base no Maranhão e trabalhou na formação política e cultural de lideranças dos movimentos da Juventude Operária Católica (JOC) no estado.

Livro

Em 1982, lançou pela editora Vozes o livro "Grilagem: Corrupção e Violência em Terras do Carajás". O livro é fruto do interesse do sacerdote em investigar os condicionantes estruturais da violência no campo maranhense.

Livro denuncia o processo de grilagem em terras maranhenses

A partir do exame de um grilo de terras na região de Pindaré, o sacerdote descobriu uma verdadeira rede de "grilagem", processo em que títulos de posse de terras eram concedidos às elites rurais do interior do Maranhão por meio de corrupção em diversos cartórios jurídicos e reivindicados através da violência, tanto de fazendeiros quanto das forças policiais subjugadas ao poder político e econômico local, que expulsava os trabalhadores do campo à bala.

A denúncia pesquisada e documentada no livro mostra, através de inquéritos administrativos e da Polícia Federal, como se processou a transferência de milhares de hectares em terras devolutas (de propriedade da União) para empresários e políticos não só do Maranhão, mas também de diversos estados brasileiros.

Precisamente por isso, a publicação do livro lhe rendeu inúmeras ameaças de morte e perseguição política, principalmente pelos grileiros de terra denunciados e seus correligionários.

Isso contribuiu ainda mais para que padre Victor Asselin ficasse conhecido em todo o Estado (quiçá no país como um todo) e se tornasse um interessante objeto de estudo sobre a atuação política e social da Igreja Católica no Maranhão tempos depois.

Victor Asselin em folder de relançamento de seu livro "Grilagem", no ano de 2009, no campus de Imperatriz da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA)

Tendo sido seu único trabalho escrito, o livro "Grilagem" foi relançado em 2009 pela editora Ética, quase três décadas depois de sua publicação original. A obra é uma das raras publicações que abordam, minuciosamente, o processo da grilagem de terra no Brasil e consta em diversos espaços de comercialização de livros no Maranhão.

Em São Luís, ele pode ser obtido na Livraria do Armando, no prédio do CCH da UFMA, além de estar disponível para consulta nas bibliotecas dessa instituição e do curso de História da UEMA, situado no prédio do curso de Arquitetura, localizado no Centro Histórico da cidade.

Lembranças

O titular do blog teve a oportunidade de conversar pessoalmente com Victor Asselin, no ano de 2009, no Seminário de Santo Antônio, em decorrência do processo de coleta de dados e informações para a composição da monografia de História, intitulada "Entre rosas e armas: atuação política da Igreja Católica e ditadura militar no Maranhão".

Nessa oportunidade, pude colher interessantes e instigantes informações sobre os conflitos entre militares e sacerdotes no Maranhão, tanto no campo quanto na capital, que ajudaram significativamente na composição da pesquisa.

No ensejo, ainda fui contemplado com um exemplar de seu livro, autografado com a seguinte dedicatória: "Meu caro Hugo, sua juventude desperta ideal, projetos. Que sua aptidão do estudo da história faça de você uma História. Victor Asselin".

Hoje, em decorrência de sua morte, lamento enormemente o fato de não ter focado também na própria trajetória do padre Asselin, - buscando informações sobre sua infância, juventude, formação escolar, engajamento nos movimentos sociais, etc. - pois à época tais aspectos sociográficos não se constituíam como objeto da minha pesquisa, cujo enfoque incidiu sobre as relações conflituosas entre agentes da Igreja e as forças de repressão do Estado.

Mas creio que os dados coletados na monografia possam contribuir para futuros estudos sobre esta personagem ímpar na História recente do Maranhão e da Igreja Católica local.

Causa do falecimento

Segundo informou o site da CPT Nacional, padre Victor Asselin há pouco mais de dois anos foi para o Canadá visitar a família, viagem que fazia todos os anos. Nessa ocasião, aproveitou para fazer exames de saúde que visavam validar seu registro de seguridade social lá em seu país.

Após a realização de um verdadeiro check up, os médicos descobriram que Asselin tinha um câncer que havia se espalhado por diversos órgãos. O sacerdote passou alguns meses internado e, após esse tempo, a equipe médica que o tratava lhe deu alta, para que ele convivesse seus últimos dias de vida com a família, alegando não haver mais nada que a medicina pudesse fazer para combater a doença, já em estágio avançado.

Recentemente, seu estado de saúde se agravou e ele teve que ser internado novamente na UTI de um hospital canadense, vindo a falecer nas primeiras horas dessa sexta-feira (23).

O fato de sua morte praticamente ter sido "esquecida" e negligenciada pelos principais veículos de comunicação do Maranhão demonstra a força da figura de padre Victor Asselin na história política do Estado, cujas classes dirigentes "acostumaram-se", através de sua imprensa instrumental e subserviente, apenas a consagrar e memorizar aqueles alinhados às elites dominantes.

Não ser lembrado agora por aqueles que, de certa forma, foram afetados pelo livro, pelas críticas e pela ação de Victor Asselin, - uma vez que "os barões da mídia" são os mesmos que ocupam importantes cargos políticos e possuem significativo capital econômico, - dão a dimensão do grau de "incômodo" que o sacerdote provocou junto às classes políticas dirigentes, de ontem e de hoje.

Nota de pesar

Por meio de Nota, o Instituto Jackson Lago - única entidade de relativa expressão local que se manifestou sobre a morte do sacerdote -  lamentou a partida desse mundo de Victor Asselin, destacando tratar-se de um "militante sincero da generosidade humanista e construtor convicto da utopia libertária".

A nota, assinada por Clay Lago, viúva de Jackson e presidente do referido instituto, enaltece a luta do padre Asselin junto aos movimentos sociais maranhenses, cuja morte deixa um "legado extraordinário de amor ao próximo e de solidariedade que devem marcar o cotidiano dos que lutam para construir um mundo novo".

Acompanhe a íntegra do texto abaixo:

Nota do Instituto Jackson Lago pela morte do Pe. Victor Asselin

O Instituto Jackson Lago, tomado de profunda surpresa e dor, vem a público dizer de sua tristeza ao receber a notícia do falecimento do nosso querido Pe. Victor Asselin, militante sincero da generosidade humanista e construtor convicto da utopia libertária.

Pe. Victor Asselin, que por muitos anos teve uma destacada jornada de solidariedade às lutas e movimentos sociais do Maranhão, nos deixa um legado extraordinário de amor ao próximo e de solidariedade que devem marcar o cotidiano dos que lutam para construir um mundo novo.

Este Instituto registra o sentimento de dor que, com certeza, abate todos e todas que fazem dos seus sonhos a luta por um mundo novo. Homenagear a memória do nosso querido Pe. Victor Asselin é continuarmos lutando pelo que mais o movia, o amor ao povo, aos pobres, aos oprimidos em suas lutas pela libertação.

São Luís, 23 de agosto de 2013
Clay Lago, presidente do Instituto Jackson Lago

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Grato pela participação.