domingo, 8 de fevereiro de 2015

"LICENÇA PARA MATAR"?: Direitos Humanos e Governo Dino


Por Hugo Freitas

A semana que findou foi sacudida por uma polêmica e contundente nota pública da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH) em que critica veementemente uma suposta "licença para matar" propiciada pelo governo Flávio Dino (PCdoB) ao editar Medida Provisória que estipula uma nova atribuição à Procuradoria Geral do Estado (PGE): a de representar judicialmente membros das polícias Civil e Militar e do Corpo de Bombeiros.

A nota teve um grande impacto junto à população maranhense, inclusive na comunidade acadêmica, já que a SMDH foi uma das muitas entidades que apoiaram abertamente a eleição de Flávio. Soma-se a isso o fato do próprio Dino já ter escrito artigos elogiando a atuação da entidade em defesa dos direitos humanos no Maranhão, quando estava na condição de postulante ao cargo que hoje ocupa.

A problemática, por vezes óbvia, a se colocar é que uma coisa é ser oposição; outra, completamente diferente, é ser governo. E isso fica nítido quando se observa, de um lado, uma gestão que tenta "mostrar a que veio" e, de outro, a reação de insatisfação de seus outrora apoiadores, no que concerne à Segurança Pública.

Conforme já apontei em post anterior, a atuação do governo Dino no combate ao crime, que resultou na morte de quase 10 pessoas em decorrência da ação direta de policiais em apenas uma semana de gestão, já sinalizava para as críticas que viriam, principalmente dos órgãos de defesa dos direitos humanos (CONFIRA AQUI).

De fato, ao estabelecer a validade de um dispositivo jurídico que permite a representação judicial do Estado a agentes da segurança, corre-se o risco certo e líquido de se dar guarida legal a "criminosos fardados". Afinal, são os órgãos policiais que informam quem é bandido ou inocente entre os mortos em ações de PMs.

A questão fundamental a ser enfrentada pelo atual governo estadual é buscar um ponto de equilíbrio entre o combate ao crime e à violência e à redução do número de homicídios no Maranhão, a fim de que não tenhamos um cenário de glorificação da Polícia, que age sob uma suposta "licença para matar", em detrimento da elaboração e promoção de políticas públicas que combatam as desigualdades sociais e o tráfico de drogas que, em conjunto, constituem a base estruturante que ceifa a vida de milhares de maranhenses todos os meses, todos os anos.

Confira a íntegra da Nota da SMDH:

Publicada no Diário Oficial do Estado do Maranhão de 2 de janeiro de 2015, a Medida Provisória nº. 185, assinada pelo governador Flávio Dino, o secretário-chefe da Casa Civil Marcelo Tavares e o secretário de Estado de Segurança Pública Jefferson Portela, caiu como uma espécie de “licença para matar” aos agentes do sistema de segurança do Maranhão.

Terminado o primeiro mês de 2015, as notícias dão conta de 21 mortos por agentes do Estado, sendo 20 por policiais civis e militares e um por agente penitenciário – esta, a primeira morte no Complexo Penitenciário de Pedrinhas após a posse de Flávio Dino.

Em janeiro foram mortos Jocean Soares Dantas (dia 5), João Miguel Melo (8), Jeimison Fernando Ribeiro Ramos (8), Valclean Agostinho Alves (8), Robson Anderson Matos do Vale (8), Manoel Messias Monteiro Freire (8), Lourival Santos Souza (12), Charlison Sá Lélis (12), Ítalo Felipe Silva de Oliveira (19), Gilvan Santos (21), Diego Gomes da Silva (26), Raí Barbosa Lira (27), Aguinaldo dos Santos Júnior (28), Alessandro Ribeiro dos Santos (28), Laessio Albuquerque Lima (28) e Rodrigo da Silva Dias (28), além de cinco não identificados. Um aspecto que merece destaque, a subnotificação segue como prática: alguns destes óbitos não aparecem no relatório mensal da Secretaria de Estado de Segurança Pública.

A medida provisória nº. 185 “autoriza a representação judicial de membros das Polícias Civil, Militar e Corpo de Bombeiros Militar pela Procuradoria Geral do Estado”. Seu artigo 1º especifica os casos em que a representação ocorrerá: “quando, em decorrência do cumprimento de dever constitucional, legal ou regulamentar, responderem a inquérito policial ou a processo judicial, bem como promover ação penal privada ou representar perante o Ministério Público, quando vítimas de crime, quanto a atos praticados no exercício de suas atribuições constitucionais, legais ou regulamentares, no interesse público, podendo, ainda, quanto aos mesmos atos, impetrar habeas corpus e mandado de segurança em defesa dos agentes públicos de que trata este artigo”. Ou seja: permite a atuação da PGE na defesa de policiais e bombeiros envolvidos em casos de resistência seguida de morte e suspeita de execução sumária.

O caráter eminentemente midiático da medida acabou por fazer a festa de páginas policiais de jornais, onde “a polícia tem sempre razão” e “bandido bom é bandido morto”, um desserviço à sociedade que, por sua vez, influenciada por este tipo de noticiário, acaba por aplaudir a “mão de ferro” do novo governo para com a criminalidade. Não são poucas as manchetes que afirmam que “suspeitos” são mortos, numa lógica infeliz de “atira primeiro, pergunta depois” – depois dos disparos das autoridades policiais, o disparo do “quarto poder”, sentenciando a dignidade de quem não a tem em vida nem na morte.

Peticionárias da denúncia do Estado brasileiro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA) diante da tragédia instaurada no sistema prisional maranhense a partir de outubro de 2013, Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), Conectas Direitos Humanos/SP e Justiça Global/RJ, repudiam veementemente a adoção de medidas que, com a suposta intenção de reduzir índices de violência e criminalidade, acabam contribuindo para o aumento destes mesmos índices.

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