Por Hugo Freitas
A semana que findou foi sacudida por
uma polêmica e contundente nota pública da Sociedade Maranhense de Direitos
Humanos (SMDH) em que critica veementemente uma suposta "licença para
matar" propiciada pelo governo Flávio Dino (PCdoB) ao editar Medida Provisória
que estipula uma nova atribuição à Procuradoria Geral do Estado (PGE): a de
representar judicialmente membros das polícias Civil e Militar e do Corpo de
Bombeiros.
A nota teve um grande impacto junto à
população maranhense, inclusive na comunidade acadêmica, já que a SMDH foi uma
das muitas entidades que apoiaram abertamente a eleição de Flávio. Soma-se a
isso o fato do próprio Dino já ter escrito artigos elogiando a atuação da
entidade em defesa dos direitos humanos no Maranhão, quando estava na condição
de postulante ao cargo que hoje ocupa.
A problemática, por vezes óbvia, a se
colocar é que uma coisa é ser oposição; outra, completamente diferente, é ser
governo. E isso fica nítido quando se observa, de um lado, uma gestão que tenta
"mostrar a que veio" e, de outro, a reação de insatisfação de seus
outrora apoiadores, no que concerne à Segurança Pública.
Conforme já apontei em post anterior, a
atuação do governo Dino no combate ao crime, que resultou na morte de quase 10
pessoas em decorrência da ação direta de policiais em apenas uma semana de
gestão, já sinalizava para as críticas que viriam, principalmente dos órgãos de
defesa dos direitos humanos (CONFIRA AQUI).
De fato, ao estabelecer a validade de
um dispositivo jurídico que permite a representação judicial do Estado a
agentes da segurança, corre-se o risco certo e líquido de se dar guarida legal
a "criminosos fardados". Afinal, são os órgãos policiais que informam
quem é bandido ou inocente entre os mortos em ações de PMs.
A questão fundamental a ser enfrentada
pelo atual governo estadual é buscar um ponto de equilíbrio entre o combate ao
crime e à violência e à redução do número de homicídios no Maranhão, a fim de
que não tenhamos um cenário de glorificação da Polícia, que age sob uma suposta
"licença para matar", em detrimento da elaboração e promoção de
políticas públicas que combatam as desigualdades sociais e o tráfico de drogas
que, em conjunto, constituem a base estruturante que ceifa a vida de
milhares de maranhenses todos os meses, todos os anos.
Confira a íntegra da Nota da SMDH:
Publicada no Diário Oficial do Estado
do Maranhão de 2 de janeiro de 2015, a Medida Provisória nº. 185, assinada pelo
governador Flávio Dino, o secretário-chefe da Casa Civil Marcelo Tavares e o
secretário de Estado de Segurança Pública Jefferson Portela, caiu como uma
espécie de “licença para matar” aos agentes do sistema de segurança do
Maranhão.
Terminado o primeiro mês de 2015, as
notícias dão conta de 21 mortos por agentes do Estado, sendo 20 por policiais
civis e militares e um por agente penitenciário – esta, a primeira morte no
Complexo Penitenciário de Pedrinhas após a posse de Flávio Dino.
Em janeiro foram mortos Jocean Soares
Dantas (dia 5), João Miguel Melo (8), Jeimison Fernando Ribeiro Ramos (8),
Valclean Agostinho Alves (8), Robson Anderson Matos do Vale (8), Manoel Messias
Monteiro Freire (8), Lourival Santos Souza (12), Charlison Sá Lélis (12), Ítalo
Felipe Silva de Oliveira (19), Gilvan Santos (21), Diego Gomes da Silva (26),
Raí Barbosa Lira (27), Aguinaldo dos Santos Júnior (28), Alessandro Ribeiro dos
Santos (28), Laessio Albuquerque Lima (28) e Rodrigo da Silva Dias (28), além de
cinco não identificados. Um aspecto que merece destaque, a subnotificação segue
como prática: alguns destes óbitos não aparecem no relatório mensal da
Secretaria de Estado de Segurança Pública.
A medida provisória nº. 185 “autoriza a
representação judicial de membros das Polícias Civil, Militar e Corpo de
Bombeiros Militar pela Procuradoria Geral do Estado”. Seu artigo 1º especifica
os casos em que a representação ocorrerá: “quando, em decorrência do
cumprimento de dever constitucional, legal ou regulamentar, responderem a
inquérito policial ou a processo judicial, bem como promover ação penal privada
ou representar perante o Ministério Público, quando vítimas de crime, quanto a
atos praticados no exercício de suas atribuições constitucionais, legais ou regulamentares,
no interesse público, podendo, ainda, quanto aos mesmos atos, impetrar habeas
corpus e mandado de segurança em defesa dos agentes públicos de que trata este
artigo”. Ou seja: permite a atuação da PGE na defesa de policiais e bombeiros
envolvidos em casos de resistência seguida de morte e suspeita de execução
sumária.
O caráter eminentemente midiático da
medida acabou por fazer a festa de páginas policiais de jornais, onde “a
polícia tem sempre razão” e “bandido bom é bandido morto”, um desserviço à
sociedade que, por sua vez, influenciada por este tipo de noticiário, acaba por
aplaudir a “mão de ferro” do novo governo para com a criminalidade. Não são
poucas as manchetes que afirmam que “suspeitos” são mortos, numa lógica infeliz
de “atira primeiro, pergunta depois” – depois dos disparos das autoridades
policiais, o disparo do “quarto poder”, sentenciando a dignidade de quem não a
tem em vida nem na morte.
Peticionárias da denúncia do Estado
brasileiro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos
Estados Americanos (CIDH/OEA) diante da tragédia instaurada no sistema
prisional maranhense a partir de outubro de 2013, Sociedade Maranhense de
Direitos Humanos (SMDH), Conectas Direitos Humanos/SP e Justiça Global/RJ,
repudiam veementemente a adoção de medidas que, com a suposta intenção de
reduzir índices de violência e criminalidade, acabam contribuindo para o
aumento destes mesmos índices.
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